Friday, November 10, 2006

Adorno na praia & a intratável estética


Isto é o Adorno na praia. Em 1986 Adorno estava morto. O seu calão obscuro excitava-me. Por exemplo: «solipsismo de tabú mimético... » mmm. Mas desconfiava de Adorno, da mesma forma que desconfiava de Heidegger (enamorei-me de Adorno em 1981 e só comecei a ler Heidegger em 1984). O calão de um não é menos calão que o do outro. São descendentes do Hegel que gostava de se mascarar. Foi a partir de Adorno que escrevi as minhas primeiras tímidas e pomposas páginas como compagnon de route dos (ex?)Homeostéticos. E foi assim que me lancei neste lacunar empreendimento teórico, a que chamei «A intratável Estética»:

a) É demasiado evidente que hoje já não existem autores, isto é, as obras de arte não são feitas por um, embora não sejam feitas por todos.

b) A banalização dos estilos e das modas ressente-se disso, mas é quase impossível ser-se exterior a esses momentos miméticos.

c) A arte não se libertará de tal massificação enquanto o artista não for consciente de que tais mimetismos são inevitáveis.

d) A persistência da ideia de originalidade é absurda e tornou-se num dos tabus a que as modernidades nos sujeitaram.

e) A ideia de originalidade só serviu para estilhaçar a arte e isolar os artistas na especificidade dos seus projectos e estilos.

f) A sujeição a uma estética do ready-made ou do simulacro também não resolve a questão uma vez que:
1. Perpétua a esquizificação.
2. Reduz a produção de beleza a uma operação de em-quadramento e seus derivados.
3. Simula que a complexidade não é inerente às obras (ergon) mas ao que as cerca (parergon).
4. Simplifica deste modo as questões estéticas.

g) A moldura, o verniz e a patine, embora complexifiquem a obra de arte são uma dissimulação, assim como o é a historicidade.

h) O belo também não encontra a sua defenição a não ser num des-centramento que é a sua própria imaterialidade.

i) O pavor perante as definições do belo, cercado de todos os ornamentos de cinismo, encontra alternativa num jogo de definições que não é obrigatoriamente heteronómico mas advém de uma lógica fractal.

j) A solução está em levantar o cerco: retirar a historicidade, as patines do espectador, os vernizes e as ilusões do quadrum e dar vocação a uma dramatização pluralista em que as vozes dos diferentes actores surjam num coro barroco, numa harmonia dinâmica de diferentes vozes e teses (numa concors discordia).

ernesto, o ornitorrinco honesto


Os nossos anos 80 fizeram-se a partir do José Ernesto de Sousa. Passo a citá-lo num texto de catálogo sobre a Helena Almeida que, misteriosamente, está cortado na Antologia «Ser Moderno» editado pela Isabel Alves e pelo José Miranda Justo:

«Doce anarquia» (D. Davies) ou «dadaismo epistemológico» (Feyerabend) - eis algumas das expressões com que significativamente se tem experimentado denominar o actual estado do saber, mesmo cientifico (post positivista). E por grande exclusão de partes o mesmo se dirá do saber. O que interessa sublinhar neste panorama geral e... «catastrófico», é que a simples emergência do novo, a nov(a)idade, é, menos legitimamente que a produção da diferença: paradoxal, paralógica , menipeica... Jogando-se esta numa sistemática aberta, num vasto mar de indeterminação, numa rigorosa adversidade metódica.

Além de que frequentemente a pretendida inovação não vai muito além dum arranjo modistico antigo, já codificado... fornecedor reaccionário de «novas» leituras fáceis, paralelas a outros consumismos; o novo, propriamente dito, é um derivável do sistema, como segregação ou encomenda; ou, em última análise, vem a ser utilizado e absorvido por este na melhoria das respectivas eficiências. Pelo contrário, a procura da instabilidade, o lanço ou golpe paradoxal tende a alterar efectivamente, tarde ou cedo, a pragmática dos saberes e dos poderes, das expectativas e dos gostos...

Os mitos, as grandes narrativas, explicam determinados estados humanos, apenas local e limitadamente. Não inventam, porque não inventam o desconhecido: a verdadeira diferença surge sempre de fóra das regras do sistema.

Por exemplo, a ideia (ideologia) de família, para além do seu pragmatismo, corresponde sempre a uma aparência de lógica e de fechamento; à definição de um estado social coeso e determinado... protegido com sangue e ideias, unhas e ideias, dentes e ideias. E no rentanto a sua realidade sistemática é a indeterminação, a rotura e a instabilidade...

e mais à frente

Quando identificamos vanguarda e rotura é de uma vida «minimal» que se trata (variante na edição alterada: «é da decisão como existência que se trata»). Mas a profanação já não tem sentido (senão operatório, didatico), embora a Sociedade Festiva continue a constituir alienada utopia. Poder pensá-la em termos de risco e serena consciência é viver no futuro. «Paradise now». E assim, como a profanação é um vazio de sentido, numa sociedade onde tudo é profano, também já não tem sentido insistir na criação de Obras (de arte) que, como pretendia Hegel, teriam «um fim em si próprias» (Não é por acaso que a filosofia hegueliana se pode situar num dos extremos daquela evolução do pensamento que se pode establecer segundo esta sucessão: Heraclito/Hegel/teoria das catástrofes).

Esta parte final (em bold) também está omitida. Porquê? A razão é simples, os editores preferiram a primeira versão, a do Colóquio Artes e não a do catálogo, muito mais rica.

Foi este modelo à Zé Ernesto que o movimento homeostético, dentro das contradições da época, tentou desenvolver, na vida indissociada da arte, nos amigos e na familia, quando calhou haver familia.

Tuesday, November 07, 2006

kairologias

É certo que o que precisamos é de uma Kairologia. Proença e os Homeostéticos lançaram o repto em 1985 com o triângulo Métis/Kairós/Enthousiasmous. A atenção à kairologia teve alguns impulsos nos anos 80 com a redescoberta da sofistica. Dois pensadores influentes também falam do kairos como algo essencial. Sloterdijk e agamben. Sloterdijk define os fenómenos kairológicos assim

concentrações de circunstâncias em verbalizações e personificações de acontecimentos, chegando ao dito cujo ponto no sentido mais alto (nobre) do termo

A defenição é pobre. Enquanto não articulsarmos com uma rede mais interessante de práticas e conceitos o kairós não será da mais preciosa utilidade.