Saturday, October 14, 2006

heteronomias de heteronomias


Há 20 anos atrás eu e o Alberto Dias (Juntamento com J. Rato, F. Xavier e outros) proposemos a noção de entreactor como alternativa à noção gasta de autor ou à sua polémica «supressão» às luvas maneatadoras dos estruturalistas e post-estruturalistas. Os heideggarianos diriam que a puta da linguagem nos fala falando-se, mas nós também nos prostituimos em performances nela e com ela, com o atarantado fardo de uma performance (é isso a «autenticidade?»).

O que em certa medida é òbvio na cumplicidade com a linguagem escrita ou falada, ou no nos deixarmos encenar em ready-mades que reencenam popisticamente (ou através de duchampianas lentes) uma suposta «presentação», já não o é na animalesca prática da pintura, por mais reaccionária que esta nos «re-presente.»

Vem isto a propósito de um texto de Agamben sobre Deleuze e Foucault (ò cliché das referências post-mod.!) que nos fala da Imanência absoluta, ou melhor «L'immanence: une vie...» - glosar o texto de Agamben agora? Nem pensar. Mas a ideia da imanência absoluta é a da própria experiência da pintura. A imanência é o que nos situa como corpo, como descontinuidade de uma experiência que é inacabada mesmo antes de começar a ser ou depois da morte. Pintar é afinar o corpo nas suas sucessivas revelações. Mas citemos Agamben citando Deleuze:

Compreendemos porque é que Deleuze chega a escrever de uma vida como sendo «potência, beatitude completas». A vida é feita de «virtualidades», ela é potência pura que coincide de forma espinosiana com o ser, e a potência, na medida em que «nada lhe falta», na medida onde ela é o constituir desejante do desejo, é imediatamente beata. Todo o alimentar-se, todo o deixar-se ser, é beato e desfruta-se.

Há uma referência um pouco antes à expressão ladina de Espinoza «pasearse». A utilidade filosófica dos verbos reflexos excita Agamben mas alembra-me, mais uma vez Lapa (todo este blog tem sido uma soma de elegias, algo epitalâmicas, a Lapa). Cito Lapa:

Quero dizer que o fundamento da pintura, portanto da possibilidade de obter pintura, é o funcionamento do corpo na e fora da operação de pintar.

O corpo é um movimento sem princípio nem fim.

A pintura de Álvaro Lapa, que nas atira, como muitos dos escritores que «encaderna», para uma vida mais vida e um corpo mais corpo, não faz com que passeemos, mas faz que passemos de um estado de espectadores ou de contempladores, ainda na recatada e fetichista postura a que não se furta Duchamp, para a condição mais plena do «passear-se». Os «campésticos», titulos de alguns quadros de Lapa, designam a indistinção imobilidade-movimento, paisagem-corpo, sem termos sequer que ser sacudidos pelo espectro kantiano do sublime. Fale sr. Lapa:

Nenhuma teoria também aqui: o puro exercício material e espiritual de uma função, a pintura como função, o pictórico no sentido empirico de aquisição, não parte de principios conscientes a não ser num sentido “vasto”, “flutuante”, tanto como artistico, emissivo ou receptivo, em geral. Apatia, transe, euforia, revolta, angustia, serenidade, etc., tudo termos emocionais relativos ao corpo afectado que não suporta enquanto tal quaisqueres valores.

Nós não sabemos o que a pintura, a arte em geral, significam, sequer como sentido oculto. Podemos a esse respeito contar histórias ou deixar de contar.


Ou acedamos vulnerávelmente ao «passear-se»: absoluto sem «Absoluto». Não as reticências com que a modernidade se pavoneou e se limou e se limitou (franciscanamente, minimalisticamente, puritanamente), mas o i-rreticente, o se-não. UNLESSNESS

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