Thursday, December 20, 2007

a lógica da denuncia


sloterdijk, onfray, agamben e quignard - estão vivos e o seu estilo e os seus temas dão-me vontade de reflectir... não estão, de modo nenhum na mesma linha, mas procedem a uma revisão da história do pensamento e da cultura que nos abre um apetite pelo pensamento e pelos tantos que pensaram... confesso que me sinto mais próximo de sloterdijk no ambiente, de onfray no estilo e de quignard nos assuntos.


No último livro a que tive acesso de Sloterdijk, que só li salpicadamente («Cólera e Tempo») está exposta com veemência a lógica politica e religiosa do radicalismo. Poderiamos usar este livro como instrumento critico do projecto Onfray cujo titulo espelho é «A politica do rebelde». São dois nietzchianos que sabem perfeitamente o que é o ressentimento. No caso de Onfray há um ressentimento de fundo contra a igreja católica que é justificado, mas parece que Onfray ainda não percebeu que a liberdade fervilhante e lirica do Maio de 68, tal como a identica experiencia portuguesa da Revolução dos Cravos, também foi pródigas em desrespeitos, tiranias, injustiças, sadismos, e que elas própria engendraram a sua auto-destruição e o nascimento de outro tipo de tiranias (mas também tiveram as suas virtudes «reformadoras»).


Acho que temos que ir mais longe e responsávelmente na prática do misticismo revolucionário e pensá-lo no ponto de vista de uma ecologia politica mais vasta - e ecologia aqui significa sempre um equilibro dinamico com os seus estados de excepção. É certo que há uma promessa inalienável na alegria revolucionária - uma promessa de mais alegria e de mais intensidade. Mas essa alegria não reside na revolta, ideal juvenil, mas na festividade produtiva e poetica, a que Nietszche denominava dança.


A função de resistência às formas de dominação é uma tarefa a que não nos podemos furtar. Mas vi sempre os profissionais da resistência avançarem com a pior das lógicas, com correspondente ingenuidade e entusiasmo: a terrível LÒGICA DA DENÚNCIA. Esta lógica é a melhor das armas de canalização da cólera. Hoje a imprensa, seja de que tipo for, é o principal agente da lógica denunciadora, não muito distinta da das seitas e organizações terroristas. O que corresponde na prática a esta lógica são todos os mecanismos de controle. A imprensa apela ao constante controle, e sem se dar conta disso, à generalização da burocratização de todo o tipo de actos.
Sim, é verdade, a denuncia publica tem impedido horriveis crimes e tem evitado catástrofes eminentes. Mas assisti frequentemente à destruição implacável e injusta de tantas vidas e a tantas atrocidades por parte da imprensa denunciante sem uma migalha de arrependimento, sem que os profissionais diligentes e os seus imprudentes editores parassem um momento para reflectir. Posso equiparar esses actos ao dos denunciantes que, por exemplo, depois da Guerra Civil de Espanha, mandavam para a morte, através de denuncias anónimas, os supostos vizinhos republicanos.
Também, no campo da arte, a lógica de denúncia está em excelentes dias - confesso que lhe prefiro de longe cavalgadas mais poéticas, mesmo que sejam mais «burguesas», ou, num sentido extra-subjectivo, mais «liricas». E é esse lado lírico que amo no dadaísmo, que em muitos aspectos se portou como qualquer outra insensata seita - como em todas as seitas com os seus gúrus e candidatos a papas.

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