Sunday, April 22, 2007

a morte da filosofia ao lado da arte que se passeia


A filosofia aperfeiçoa-se na teatrealização da sua morte - a morte é «obviamente» a perfeição das perfeições, o grande polimento que torna os objectos perfeitos (como, por exemplo, a esfera) algo irredutível, monumental, etc. A filosofia nunca conseguiu ultrapassar (porque não pode) este seu fim que coincidiu com o seu início. Por isso as equações conceptuais de Hegel parodiam as de Platão e estas as de Parménides e Heraclito e por aí fora, até aos comentadores dos comentadores com as suas marginálias bem comportadinhas (embora algo marotas!).


Em Platão a arte (a poética) já era um assunto morto, um cadáver do qual nos devemos desembaraçar depressa - antitese da perfeição, algo imberbe, adolescente, ritualizado, mágico, sem «grande» finalidade. No entanto a «arte» enquanto arte ainda não tinha nascido. A morte filosófica da arte dá-se paradoxalmente antes do seu conceito emergir na plenitude. Por isso os teóricos mais filosofos vêem a arte como uma oportunidade de práticas de imanência invejáveis, e rápidamente a decretam como obsoleta, curiosidade cadavérica digna de atenção e de perversas autópsias. O filósofo coloca-se voluntáriamente fora da experiência produtiva da arte. Por isso é mais fácil decretar a sua morte, porque não encontra para ela uma finalidade ou uma saída. A arte é um beco. Ou apenas parece um beco? Ou não é nenhum sistema?


A solução parece ser simples - a arte passeia-se (como já falámos disso), ou se preferirem, pavoneia-se. É a expressão de um excesso (ou de uma excessiva contenção), algo primaveril, uma vontade de entrar pela floração-animalação adentro. Não é um fenómeno «cultural», embora não a possamos separar da cultura e das suas tradições. É algo descuidado e que nos ultrapassa - uma pulsão sem frígidos sublimes (os frigidos sublimes são o ornamento do espartilho filosofal). E esta pulsão é muito anterior à filosofia e ao homem. Embora seja nos humanos que ela se exprime de uma forma mais sofisticada e nos faça poder vislumbrar o absoluto sem portinholas conceptuais e sem o «absoluto» como nome.

Thursday, April 12, 2007

a refutação motorizada (o elegkhos)


O elegkhos é o motor da filosofia, o resto são atrelados. Por exemplo, Nietszche constroi o seu aparato filosofico sobre refutações sucessivas. É a dentada e a ferroada em canela filosófica alheia que o tornam o bom descendente dos cínicos, combinado com um cepticismo que se inconforma com o cepticismo e puxa às afirmações bombásticas. O seu fantasma (bloomiano) é Schopenhauer, e o filósofo de farfalhudos bigodes coça-se por causa da comicheira dionísiaca que «refuta» a sábia contemplação pseudo-budista (apolinea?). No fundo é uma questão mais indiana do que grega - o deus Shiva só se construíu e se tornou um deus maior como antídoto ao budismo que dominou a India no periodo post-Ashoka, e como contrapartida de Krishna/Vishnou. É claro que o shivaísmo tem as mais fundas (e desviantes?) origens em passados cada vez mais remotos, e as arqueologias e os as bonecadas itifálicas (fáceis de encontrar em qualquer parte do mundo) arranjam certificados para todos os exaltadores de antiguidades que legitimam. Mas numa boa perspectiva nietszchiana/shivaista, quanto mais temos um conhecimento exacto do passado mais achamos que a coisa tem muito de tangoso. Um shivaista a sério está-se nas tintas para o bafo de prestigio que vem do fundo das erras com o seu cheiro a môfo e o seu desvio dos extases presentes. Mas perceber como é que uma versão «benevolente» de um deus terrivel se tornou mainstream é um bom trabalho para um historiador de religiões.